Fatos da vida de São Domingos Sávio narrados por São João Bosco
Fatos da vida de São Domingos Sávio
Devoção à Mãe de Deus
Entre os dons que Nosso Senhor lhe outorgou distinguia-se o seu fervor na oração.
O seu espírito estava tão habituado a conversar com Deus que, em
qualquer lugar, mesmo no meio da maior confusão, Domingos concentrava os
seus pensamentos e, com piedoso afeto, elevava o coração a Deus.
Quando orava em comum, parecia um anjo; de joelhos, imóvel, em atitude
devota, com o rosto sorridente, a cabeça um pouco inclinada e os olhos
baixos, parecia outro São Luís.
Bastava vê-lo para se ficar enternecido. Em 1854 o Conde Cays foi eleito
presidente da Companhia de São Luís, fundada no Oratório. Da primeira
vez que tomou parte nas nossas cerimônias, viu um menino numa atitude
devota que lhe causou grande admiração. Terminada a função, quis saber
quem era aquele rapaz que tanto o impressionara: - era Domingos Sávio.
Sacrificava quase sempre uma parte do recreio para ir à Igreja e ali rezar a coroa das Sete Dores de Maria, ou, pelo menos, a ladainha de Nossa Senhora das Dores.
Não se contentava em ser devoto de Maria Virgem Imaculada. Em honra da
celeste Senhora fazia todos os dias alguma mortificação. Nunca fitava
pessoas de sexo diferente. Indo às aulas, raramente levantava os olhos
do chão. Passando às vezes perto de espetáculos públicos, que para os
companheiros era objeto de curiosidade e de satisfação, ao
perguntarem-lhe se tinha gostado, Domingos respondia que não tinha visto
nada.
Um dia, um companheiro encolerizado reprovou esse seu modo de proceder, dizendo-lhe:
- Para que tens esses olhos, meu parvo, se não vês tais coisas?
- Os meus olhos, respondeu Domingos, quero-os para ver o rosto da nossa Mãe Celeste, a Virgem Maria, quando, se for digno disso, me receber Deus no Paraíso.
Cultivava uma devoção especial ao Imaculado Coração de Maria. Todas as vezes que entrava numa igreja, ia direto ao Seu altar para Lhe pedir queconservasse o seu coração bem longe de qualquer impureza.
- Maria,- dizia ele – quero ser sempre Vosso filho. Fazei que morra antes que me suceda à desgraça de cometer um pecado contra a modéstia.
Todas as sextas-feiras destinava uma parte do tempo para ler um bom livro ou ir à igreja com alguns companheiros, orar pelas almas do Purgatório ou em homenagem a Maria Santíssima. Muito grande era a devoção de Domingos a Nossa Senhora.
Viam-no radiante de alegria todas as vezes que podia levar alguém para
rezar diante do altar da Mãe de Deus. Certo sábado convidou um amigo a
ir com ele a igreja rezas as Vésperas da Bem-Aventurada Virgem Maria.
Este tentou: esquivar-se alegando estar com as mãos frias. Domingos
tirou imediatamente as luvas, ofereceu-as ao companheiro e entraram
ambos na igreja. Noutra ocasião emprestou o capote a um companheiro
friorento para o mesmo fim. Quem não ficará tomado de admiração perante
tais atos de generosidade?
Maio, o mês consagrado a Nossa Senhora, era para Domingos o mês do seu
maior fervor. Combinava com os outros para, em cada dia do mês, fazerem
uma cerimônia particular, além das que se faziam na igreja. Preparava
uma série de exemplos edificantes, que narrava aos companheiros para
animá-los a serem devotos de Maria Santíssima. Falava nisso durante os
recreios e incitava-os a comungarem, especialmente no mês das flores,
como preito a Maria: Era o primeiro a dar o exemplo, aproximando-se todos os dias da Sagrada Mesa com seráfico recolhimento.
Um episódio curioso revela-nos a ternura que ele consagrava à Mãe de
Deus. Os alunos do seu dormitório deliberaram fazer, as expensas suas,
um elegante altarzinho para solenizarem com mais brilho o encerramento
do mês de Maria. Domingos era uma doba doura nesse trabalho; mas
chegando-se à altura do pagamento da cota, que cada qual devia dar,
começaram as dificuldades. Domingos declarou:
- Até aqui vamos bem, mas para estas coisas precisa-se de dinheiro e
é o que eu não tenho. No entanto, quero contribuir de qualquer modo,
custe o que custar.
E, dizendo isto, foi buscar um livro que lhe tinha sido dado de prêmio, e
pedindo licença aos superiores, voltou radiante de alegria dizendo:
- Meus amigos, estou em condições de concorrer com alguma coisa para
honrar a Virgem Santíssima; pegai neste livro, tirai dele a utilidade
que puderdes; é a minha oferta.
Á vista daquele ato espontâneo de generosidade, os companheiros
enterneceram-se e também quiseram oferecer livros e objetos. Com esse
material fizeram uma rifa, e conseguiram arranjar mais do que o
necessário para as despesas.
Concluído o altar, os alunos queriam celebrar a festa com a maior
solenidade. Todos trabalhavam o mais que podiam, mas não conseguindo
acabar a ornamentação, foi preciso trabalhar de noite.
- Eu passarei a noite a trabalhar – disse Domingos.
- Ao menos, vinde acordar-me assim que tudo estiver pronto, para eu ser
um dos primeiros a admirar o altar ornamentado em homenagem à nossa
querida Mãe.
Os companheiros obrigaram-no, porém, a ir-se deitar, visto estar
convalescente de uma doença que tivera. Domingos não queria e foi
necessário insistir muito para que obedecesse.
Freqüência dos Sacramentos
Está comprovada pela experiência que os melhores sustentáculos da mocidade são o Sacramento da Confissão e da Comunhão. Dai-me
um rapaz que freqüente estes sacramentos: tal rapaz crescerá, passará
pela puberdade, chegará à virilidade e, se Deus for servido, à mais
avançada velhice, com um procedimento que servirá de exemplo a todos os
que o conheceram.
Praza a Deus que todos os rapazes compreendam isto, para o praticarem, e
bem assim todos os que se ocupam da educação da juventude para o
ensinarem.
Antes de vir para o Oratório, Domingos aproximava-se destes dois
Sacramentos uma vez por mês, segundo o uso das Escolas. Depois os
freqüentou com mais assiduidade. Um dia, ouviu do púlpito esta máxima:
“Jovens, se quiserdes perseverar no caminho do Céu, recomendo-vos
estas três coisas: aproximai-vos muitas vezes do Sacramento da
Confissão, freqüentai a santa Comunhão, e escolhei um confessor a quem
possais abrir o vosso coração, mas não o troqueis sem necessidade”.
Domingos compreendeu a importância destes três conselhos. Começou por
escolher um confessor e conservou-o durante todo o tempo que esteve no
Oratório. Para que este pudesse formar um juízo exato da sua
consciência, quis como era natural, fazer uma Confissão geral de toda a
sua vida.
Confessava-se, a princípio todos os quinze dias, mas tarde todos os oito
dias, comungando com a mesma freqüência. O confessor, notando o grande
progresso que fazia nas coisas do espírito, aconselhou-o a comungar três
vezes por semana, e, ao cabo de um não, permitiu-lhe a comunhão diária.
Foi durante algum tempo dominado pelos escrúpulos; por isso, queria
confessar-se de quatro em quatro dias e ainda mais amiúde; mas o seu
diretor espiritual não concordou com esse desejo e obrigou-o à
disciplina da confissão semanal.
Tinha uma confiança ilimitada no confessor. Falava com ele das coisas da
consciência, mesmo fora do confessionário, e com toda a simplicidade.
Alguém o aconselhou a mudar de confessor, de vez em quando, ao que ele
anuiu:
“O confessor – dizia ele – é o médico da alma; não é
costume trocá-lo a não ser por falta de confiança, ou porque o mal está
muito adiantado. Não estou nestes casos. Tenho plena confiança no meu
confessor que, com bondade e solicitude paternal, se empenha no
aperfeiçoamento da minha alma; além disso, não vejo em mim chaga que ele
não possa curar”.
No entanto, o diretor ordinário aconselhou-o a mudar, uma ou outra vez,
de confessor, especialmente por ocasião dos Exercícios espirituais; sem
opor a mínima dificuldade, obedeceu prontamente.
Domingos vivia alegre porque estava sempre em paz com a sua consciência.
"Se tenho qualquer mágoa no coração – dizia ele – vou ao
meu confessor que me aconselhe o que Deus quer que eu faça, pois, Jesus
Cristo disse que a voz do confessor é a voz de Deus. Se desejo alcançar
alguma coisa importante, então vou receber a Hóstia Sagrada na qual
está: o mesmo corpo, sangue, alma e divindade que Jesus Cristo ofereceu a
Seu Pai Eterno Pai por nós na Cruz. Que mais me falta para ser
feliz? Neste mundo, nada. Só me resta poder gozar no Céu d’Aquele que
hoje adoro e contemplo, sobre os altares, com os olhos da fé”.
Com estes pensamentos, Domingos passava dias verdadeiramente felizes.
Daqui nascia aquele contemplamento, aquela alegria celestial que
transparecia em todas as suas ações. Compreendia muito bem tudo o que
fazia, e tinha um teor de vida cristã, como convém que o tenha quem
deseja fazer a Comunhão diária. Por isso, o seu comportamento era, sob
todos os pontos de vista, irrepreensível. Convidei os seus condiscípulos
a dizerem-me, durante os três anos que ele viveu conosco, lhe notaram
algum defeito a corrigir ou alguma virtude a adquirir.
Todos, a uma, responderam que nunca encontraram nele coisa alguma que
merecesse correção, nem virtude que se lhe devesse acrescentar às que já
praticava.
A sua preparação para receber o Pão dos Anjos era piedosa e edificante. À noite, antes de se deitar, recomendava-se sempre assim:
“Graças e louvores se dêem a todo o momento, ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!”
De manhã, era esse grande ato precedido de uma preparação suficiente;
mas a ação de graças, essa não tinha fim. Muitas vezes, se ninguém
chamava, esquecia-se da refeição, do recreio e algumas vezes do estudo,
permanecendo em oração, ou melhor, na contemplação da divina Bondade,
que de um modo inefável comunica aos homens os tesouros da Sua infinita
misericórdia.
Era para ele uma verdadeira delícia o poder passar algumas horas diante de Jesus Sacramentado. Invariavelmente, ao menos uma vez por dia, costumava fazer-Lhe uma visita, convidando outros a ir em sua companhia. A sua oração predileta era a coroinha do Sagrado Coração de Jesus para reparação das injúrias que recebe dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
Para que as suas Comunhões produzissem maior fruto, e, ao mesmo tempo, o
estimulassem a fazê-las cada vez com mais fervor, tinha-lhes fixado
para cada dia um fim especial.
Eis como distribuía as intenções durante a semana:
Domingo:- Em honra da Santíssima Trindade.
Segunda: - Pelos benfeitores espirituais e temporais.
Terça: - Em honra de São Domingos e do Anjo da Guarda.
Quarta: - A Nossa Senhora das Dores, pela conversão dos pecadores.
Quinta: - Em sufrágio das almas do Purgatório.
Sexta: - Em honra da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sábado: - Em honra de Maria Santíssima, para obter a Sua proteção durante toda a vida e à hora da morte.
Tomava parte, com arroubos de alegria, em todas as cerimônias que
tivessem por fim honrar o Santíssimo Sacramento. Se acontecia encontrar o
Viático, ao ser levado a algum doente, ajoelhava-se logo, onde quer que
fosse, e, se tinha tempo, acompanhava-O até terminar a cerimônia.
Um dia passou o Viático perto dele. Chovia e os caminhos estavam
enlameados. Não tendo outro sítio para se ajoelhar, ajoelhou-se mesmo
sobre a lama. Um dos seus amigos repreendeu-o depois, observando-lhe
que, em tais circunstâncias, Nosso Senhor não exigia. Domingos
respondeu-lhe:
“Joelhos e calças tudo é de
Deus: por isso tudo deve servir para Lhe dar honra e glória. Quando
passo perto d’Ele, não só me atiraria ao chão para honrá-lO, mas até a
uma fornalha, porque assim participaria do fogo da caridade infinita que
O impeliu a instituir este grande Sacramento”.
Em circunstâncias análogas, viu um dia um militar que se deixava ficar
de pé no momento em que passava bem perto o Santíssimo Sacramento. Não
se atrevendo a convidá-lo para que se ajoelhasse, tirou do bolso um
lencinho, estendeu-o sobre o terreno sujo, e fez-lhe sinal para que se
servisse dele. O soldado, a princípio, acanhou-se; mas, por fim,
deixando de lado o lenço, acabou por se ajoelhar no meio do caminho.
Na festa do corpo de Deus foi com outros companheiros, vestidos de
batida, à procissão da paróquia. Não cabia em si de alegria; e julgou
aquilo prova de uma preferência e distinção assinalada, a maior lhe não
poderiam dar.
Domínio de si mesmo
Quem reparasse na compostura exterior de Domingos Sávio, achava-lhe
tanta naturalidade, que pensava tê-lo Nosso Senhor criado assim mesmo.
Mas os que o conheceram de perto, ou tiveram a responsabilidade da sua
educação, podem asseverar que havia nisso grande esforço humano coadjuvado pela graça de Deus.
A vivacidade do seu olhar obrigava-o a não pequeno esforço, dada a sua firme resolução de dominá-la. Um dia, confiou a um amigo:
“A princípio, quando me decidi a dominar completamente os meus
olhares, tive de suportar não pequena fadiga, e até, por isso, sofri
fortes dores de cabeça”. Com efeito, era tão reservado, que ninguém, dos que o conheceram, se lembra de tê-lo visto olhar para qualquer coisa que excedesse os limites da rigorosa modéstia – “Os olhos – dizia ele – são duas janelas. Pelas janelas, passa tudo o que se deixa passar. Por estas janelas,tanto podemos deixar passar um anjo como um demônio, e permitir tanto a um como a outro que se aposse do nosso coração”.
Certo dia, um dos seus companheiros trouxe inadvertidamente para a
escola uma revista e que havia algumas figuras pouco sérias e
irreligiosas, Um grupo de rapazes rodeou-o para ver aquelas gravuras que
causariam asco, mesmo aos infiéis e pagãos. Domingos também se
aproximou. Quando viu, porém, do que se tratava, foi surpreendido. Em seguida, com um sorriso de ironia, deitou-lhe a mão e rasgou-a em mil bocados. Os outros rapazes, atônitos, entreolharam-se mortificados, sem pestanejar. Domingos, então, disse-lhes:
-Pobres de nós! Nosso Senhor
deu-nos os olhos para contemplar as belezas de tudo o que Ele criou, e
vós servir-vos deles para olhar tais indecências, inventadas pela
malícia dos homens para corromper as almas? Esquecestes o que tantas
vezes vos foi ensinado? O Salvador diz-nos que com um olhar
inconveniente manchamos as nossas almas, e vós a deliciar-vos com os
olhos postos em coisas tão vergonhosas?!...
- Nós, respondeu um deles, fazíamos por distração.
- Sim, sim, por distração; no entanto, por distração, ide-vos preparando para o inferno. Riríeis no inferno se lá caísseis?
- Mas nós- retorquiu outro – não víamos grande malícia naquelas gravuras.
- Pior ainda. Não ver a
maldade em semelhantes indecências é sinal de que já estais habituados a
contemplá-las. Mas o hábito não desculpa, antes, pelo contrário,
torna-vos mais culpados. Ó Job! Ó Job! Tu velho, mas eras um santo;
sofrias de uma doença, que te obrigava a viver deitado sobre um monturo
de imundície; e, contudo, fizeste um pacto com os teus olhos para que
não olhassem, nem de leve, coisas inconvenientes!
A estas palavras, todos se calaram e ninguém se atreveu a censurá-lo nem lhe fazer qualquer observação.
Á modéstia nos olhos aliava Domingos uma grande reserva no falar.
Quando alguém falava, ele calava-se; por várias vezes truncou uma
expressão para dar aos outros liberdade de se expandirem. Os seus
mestres foram unânimes em asseverar que nunca tiveram motivo para
repreendê-lo, tão modelar foi sempre o seu procedimento no estudo, na
aula, na igreja e em toda a parte. Até nas próprias ocasiões em que lhe
fizessem qualquer injúria, sabia moderar, mais do que nunca, a língua e o
seu temperamento.
Um dia, preveniu um companheiro de um mau hábito. Este, em vez de
receber de bom grado a observação, zangou-se. Cobriu-o de vitupérios, e
depois investiu contra ele a socos e a pontapés. Domingos teria podido
fazer valer as suas razões com os fatos, pois, era mais velho e tinha
mais força. Mas não quis senão a vingança dos cristãos. Ficou com o
rosto ruborizado, mas refreou o ímpeto de ira e limitou-se a dizer a
seguintes palavras:
“Perdôo-te esta ofensa. Não trates os outros desta maneira”.
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