Sermão de São João Maria Vianney, o Santo Cura D’ars
Eles Pertencem ao Mundo!!
Uma
parte, e talvez a maior parte das pessoas, está totalmente envolvida
com as coisas deste mundo. E, neste largo número, existem aqueles que se
julgam felizes por terem suprimido todo e qualquer sentimento de
religiosidade, todo e qualquer pensamento sobre a vida eterna, aqueles
que fizeram de tudo que estava em seu poder para apagar da memória a
terrível recordação do Julgamento, no qual, um dia, todos nós teremos
que nos apresentar e prestar contas. Durante o curso de suas vidas, eles
usam de tudo quanto é artimanha, e freqüentemente até suas posses, para
atraírem para o seu modo de vida tantos quanto puderem. Eles já não
acreditam em mais nada. Aliás, eles até sentem um certo orgulho em se
exibirem mais ímpios e incrédulos do que realmente são, para poderem
convencer os outros a acreditarem, não em verdades, mas sim em
falsidades, que vão fincando raízes nos corações daqueles que são
influenciados por eles.
Durante
um jantar que Voltaire deu num certo dia para seus amigos, – um bando
de ímpios– ele rejubilou-se porque entre todos os presentes não havia um
sequer que acreditava em religião. Embora, no fundo, ele próprio ainda
acreditava. Tanto é verdade, que ele demonstrou isso claramente na hora
de sua morte. Naquele momento crucial, ele ordenou com grande pressa que
um sacerdote fosse levado à sua presença para reconciliar-lhe com Deus.
Mas foi tarde demais!
Deus,
contra Quem ele havia lutado e falado mal com tanta fúria, durante toda
a sua vida, agiu com ele do mesmo modo como agiu com Antíoco. Deus
simplesmente o abandonou à fúria dos demônios. Naquele momento de pavor,
Voltaire tinha apenas o desespero e o pensamento da condenação eterna
que lhe estava destinada. O Espírito Santo nos diz: “O tolo diz em seu
coração: não existe Deus”. Mas é apenas a corrupção de seu coração que o
leva a cometer tais excessos. No fundo, no fundo, ele não acredita
nisso. Ou seja, aquelas palavras: “Deus existe”, nunca desaparecerão
inteiramente de seu coração. O pior dos pecadores sempre proferirá o
nome de Deus, mesmo sem pensar no que está dizendo! Mas deixemos esses
blasfemos de lado. Felizmente, apesar de vocês não serem tão bons
cristãos como deveriam ser, graças a Deus, vocês não estão entre esse
tipo de gente.
Mas
então, vocês me perguntarão, afinal quem são essas pessoas que estão
parcialmente do lado de Deus e parcialmente do lado do mundo? Bem, meus
caros filhos, permita-me descrevê-los. Eu vou compará-los, se me
permitirem usar o termo, com cachorros que correm atrás do primeiro que
os chamar ou lhes acenar. Vocês podem segui-los do amanhecer até o fim
do dia, do início do ano até o final. Estas pessoas vêem o Domingo, simplesmente, como um dia de descanso ou de lazer. Nesse
dia, eles ficam mais tempo na cama do que nos dias-de-semana, e ao
invés de se entregarem a Deus de todo o seu coração, eles nem sequer
pensam no Altíssimo. Alguns deles estarão o tempo todo pensando em como
será o seu “dia de lazer”, outros estarão pensando nas pessoas que eles
irão encontrar e ainda outros, nas vendas que eles irão fazer, ou no
dinheiro que eles esperam gastar ou receber. É com grande dificuldade que essas pessoas fazem o Sinal da Cruz, e quando o fazem, fazem de um modo desleixado. Por
outro lado, já que elas irão à Missa mais tarde, elas simplesmente
negligenciam as orações que todos os dias deveriam fazer, dizendo como
desculpa: – Oh! Eu terei tempo de sobra para fazê-las antes da Missa!
Essas pessoas sempre têm algo mais importante a fazer antes de se
prepararem para ir à Missa e apesar de terem planejado orar um pouco
antes de saírem para a Igreja, dificilmente conseguem chegar a tempo
para o início da Missa. Se encontram um amigo ao longo do caminho, não
tem o menor escrúpulo em voltar para casa com o tal amigo e deixarem a
Missa para outra ocasião.
Mas
porque ainda querem se parecer “bons cristãos”, tais pessoas acabarão
por irem à Missa talvez algum tempo mais tarde, embora sempre o fazendo
com relutância e achando um infinito aborrecimento. Durante a Missa, o
único pensamento que lhes ocorre é aquele:“Ó meu Deus, será que essa Missa não acaba nunca?!” Você
pode também observá-los dentro da Igreja, especialmente durante a
homilia, olhando sempre de um lado para outro, perguntando à pessoa do
lado pelas horas e assim por diante. Uma boa parte delas fica folheando o
Missal, como se estivessem procurando por algum erro de impressão. Há
outras que podemos ver dormindo e até mesmo roncando como se estivessem
confortavelmente deitadas numa cama. Quando acordam assustadas, o
primeiro pensamento que lhes vem em mente não é aquele de terem
profanado um local santo, mas sim este:
– Oh meu Deus! Esse padre ainda está falando? Será que esse sermão não termina mais? Desse jeito eu não volto mais!
E
finalmente existe também aqueles para quem a Palavra de Deus (que tem
convertido tantos pecadores) é verdadeiramente nauseante. Eles não têm
vergonha de dizer que são obrigados a sair pelo menos por alguns minutos
da Igreja, ‘‘para poderem respirar um pouco’’, caso contrário eles
morreriam! Você sempre os verá desinteressados e tristes durante as
Missas. Mas espere pra ver quando a celebração terminar! Freqüentemente,
mesmo antes do sacerdote deixar o altar, eles já estarão com um pé pra
fora da porta de entrada. Serão sempre os primeiros a abandonar a
assembléia e qualquer um perceberá que toda aquela alegria que haviam
perdido durante a Missa subitamente voltou!
Geralmente
essas pessoas estão sempre tão cansadas, que nunca terão forças para
retornarem para qualquer outra atividade durante a noite: Vigílias,
Adoração Solene do Santíssimo Sacramento… etc. E se você lhes perguntar
por que elas não compareceram, elas simplesmente responderão:
– “Ah! Você também não quer que eu passe o dia inteiro na Igreja, não é? Afinal, tenho outras coisas para fazer!”
Para
tais pessoas, não existe nada que se aproveite nas homilias, nem no
Rosário ou nas Orações Noturnas. Elas vêem essas coisas como simples
conseqüências. Se você lhes perguntar o que foi dito durante a homilia,
elas sempre responderão: – Ah! O Padre não fez outra coisa a não ser
gritar muito durante o sermão… foi enjoativo demais… eu não consigo me
lembrar de absolutamente nada…. Ah! se ele não tivesse sido tão
demorado, eu ainda poderia me lembrar de alguma coisa… tá vendo porque
todo o mundo não gosta de ir à Missa? É porque ela é comprida demais!
Pelo
menos uma coisa esta pessoa disse certo: “todo o mundo”, porque tais
pessoas pertencem à classe dos “mundanos”, embora eles próprios não
saibam disso. Mas agora vou tentar fazê-los compreender as coisas um pouquinho melhor, pelo menos se eles quiserem… Mas, sendo eles surdos e cegos como são, é muito difícil fazê-los entender as Palavras de Vida Eterna ou o seu estado tão infeliz. Só
pra começar, eles nunca fazem o Sinal da Cruz antes de uma refeição e
nem tampouco fazem Ação de Graças depois das mesmas, e muito menos
recitam o Ângelus. Se por acaso ainda observarem esses
preceitos, devido à força do hábito ou apenas por costume, eles o farão
de um modo tão superficial que qualquer um ficaria decepcionado ao
vê-los: as mulheres o farão, ao mesmo tempo em que gritam com os demais
membros da casa ou chamam as crianças para a mesa, os homens o farão
distraidamente enquanto rodam o chapéu de uma mão para outra como se
estivessem procurando por algum buraco. O modo como eles pensam em Deus,
e o modo como se comportam, nos leva facilmente a pensar que eles não
têm nenhuma fé e que tudo que fazem, o fazem apenas por brincadeira. Tais pessoas não têm o menor escrúpulo em comprar ou vender nos dias santos e domingos,
muito embora saibam que quando não se tem um motivo razoável para isso,
é sempre um pecado mortal. Tais pessoas vêem todos esses fatos como
bobagens. Alguns chegam a freqüentar a Igreja nos dias santos apenas
para recrutarem trabalhadores e se você disser que o que estão fazendo é
errado, elas simplesmente responderão:
–
Nós temos que ir é onde as pessoas se reúnem e quando elas podem ser
encontradas! Elas também não se importam nem um pouco em pagar suas
contas aos domingos, afinal durante a semana precisarão de todo o tempo
disponível para adiantar seus trabalhos.
Você então me dirá: – Nenhum de nós se preocupa muito com essas coisas!
E
eu lhes digo, vocês não se preocupam, meu caro povo, porque vocês
também são todos mundanos. Vocês querem servir a Deus e ao mesmo tempo
satisfazerem aos padrões deste mundo. Vocês percebem, meus filhos, quem
são esse tipo de gente? São pessoas que ainda não perderam completamente
a Fé e que de alguma maneira ainda permanecem ligados ao serviço de
Deus, são pessoas que ainda não abandonaram de vez todas as práticas
religiosas e que chegam inclusive a achar falta naqueles que não
freqüentam a Igreja de jeito nenhum, mas elas próprias não têm coragem
de romper com o mundo para passarem exclusivamente para o lado de Deus.
Tais
pessoas não desejam ir para a condenação eterna, mas também não querem
se meter em situações muito inconvenientes. Elas acham que serão salvas
sem ter que fazer muita violência contra si próprias. Elas
têm uma idéia de que Deus sendo tão bom, não criou ninguém para a
perdição e que no final, apesar de tudo, Ele perdoará a tudo e a todos;
que no tempo propício todos se voltarão para Deus, que corrigirão suas
faltas e abandonarão seus maus hábitos. No caso de, em algum
momento de reflexão, chegarem a dar uma repassada em suas vidas
mesquinhas, talvez eles até se lamentem por seus pecados e algumas vezes
pode até ser que chorem por causa deles…
Meu
filho, quão trágico é a vida daqueles que querem seguir os caminhos do
mundo sem, no entanto, deixarem de ser filhos de Deus! Vamos um
pouquinho mais adiante e vocês serão capazes de compreender mais
claramente e ver com os seus próprios olhos o quão estúpido esse estilo
de vida pode ser. Num determinado momento você chegará a ouvir
tais pessoas rezando ou fazendo um ato de contrição. Pouco depois se
alguma coisa acontece, do modo contrário ao que eles esperavam, você
poderá ouvi-los fazendo imprecações e até mesmo usando o Santo Nome de
Deus em vão. Pela manhã você talvez os encontre na Missa cantando ou
louvando a Deus. E no mesmíssimo dia você poderá ouvi-los espalhando aos
quatro ventos as conversas mais escandalosas.
Ao
entrar na Igreja, eles molham as suas mãos na água benta pedindo a Deus
que os purifique dos seus pecados. Um pouquinho mais adiante estará
usando essas mesmas mãos em atos impuros contra eles próprios ou contra o
seu próximo. Os mesmos olhos que pela manhã derramavam lágrimas de
emoção ao contemplar Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, durante o
resto do dia se concentrarão em observar as cenas mais imodestas. Ontem
você viu um determinado homem fazendo um ato de caridade ou prestando um
serviço ao seu próximo, hoje esse mesmo homem dá o melhor de si para
trair seu vizinho, buscando seu próprio lucro. Há poucos momentos atrás,
aquela mãe desejava todo o tipo de bênçãos para seus filhos, e agora,
só porque eles a aborrecem com suas travessuras, ela roga uma verdadeira
chuva de pragas sobre eles: diz que desejaria nunca mais vê-los em sua
presença e acaba até os mandando para o Diabo! Num dado momento, ela os
envia para a Missa ou para a Confissão, já em outro momento, ela os
envia para os bailes, ou pelo menos faz de contas que não sabe que eles
se encontram lá, ou até mesmo se chegar a proibir, sempre o fará com um
sorriso nos lábios, deixando perceber que mais aprova do que condena.
Numa determinada ocasião, essa mesma mãe dirá à sua filha para ser
recatada e não se misturar com as más companhias e, dali a pouco, estará
permitindo que sua filha passe horas a sós com um rapaz sem dizer uma
só palavra. Não preciso dizer mais nada, minha pobre mãe! Vê-se
claramente que você está do lado do mundo! Você até acha que está
servindo a Deus por causa das práticas exteriores de religiosidade que
você pratica. Mas você está enganada; você pertence àquela classe de
gente da qual o próprio Jesus Cristo disse: “Ai do mundo!…”.
Observe
bem essas pessoas que pensam estar servindo a Deus, mas que estão
vivendo verdadeiramente segundo as máximas do mundo. Elas não têm o
menor escrúpulo em tomar as coisas do seu vizinho, quer seja alguns
pedaços de lenha ou frutas, ou mesmo milhares de outras coisas. Sempre
que forem lisonjeadas ou elogiadas pelo que fazem em termos de religião,
sentirão um grande orgulho por suas ações. Tais pessoas são sempre
muito entusiasmadas em dar bons conselhos aos outros. Mas deixe que elas
sejam submetidas a algum contratempo ou calúnia e vocês verão como elas
se comportam por terem sido tratadas de tal modo! Ontem estavam
dispostas a fazer todo o bem desse mundo àquele que as ofendeu, hoje mal
conseguem tolerar tal pessoa e freqüentemente não conseguem sequer
vê-la ou falar com ela.
Pobres
mundanos! Quão infelizes vocês são! Sigam em frente com esse modo de
vida e vocês não terão nada a ganhar a não ser o Inferno! Alguns
de vocês até gostariam de freqüentar o Sacramento da Confissão, pelo
menos uma vez no ano, mas para isso, primeiramente teriam que encontrar
um confessor daqueles bem condescendentes. Imagine… até gostariam… se
isso fosse todo o problema! Suponhamos que encontrem um confessor que
perceba que suas disposições não são boas, ou seja, falta-lhes o
arrependimento e a contrição, e que portanto se recuse a dar-lhes a
absolvição! Imediatamente se põem a falar mal do confessor, procurando
se justificarem a si próprias pelo fato de terem tentado e falhado em
obter o Sacramento. Com certeza elas falarão muito mal daquele
confessor, apesar de terem pleno conhecimento de seu estado pecaminoso e
de saberem muito bem porque o confessor recusou a dar-lhes a
absolvição. De todo modo, eles sabem bem que o confessor não pode fazer
nada para conceder aquilo que eles querem, ainda assim elas não se dão
por satisfeitas em sair espalhando suas mentiras!
Continuem
assim, filhos deste mundo! Continuem nessa rotina; vocês vão ver um dia
aquilo que jamais desejariam ver! Eu sei que vocês gostariam de
repartir seus corações em dois! Mas não tem jeito, meus amigos: ou é
tudo pra Deus ou é tudo para o mundo. Vocês querem receber com
freqüência os Sacramentos? Muito bem, pois então, abram mão das danças,
dos cabarés e das diversões pecaminosas! Hoje vocês possuem a graça em
grau suficiente para virem até aqui, apresentarem-se voluntariamente no
Tribunal da Penitência, ajoelhar-se diante da Mesa Sagrada e partilhar
do Pão dos Anjos. Daqui a três ou quatro semanas, talvez até menos,
vocês já serão vistos passando as noites ao lado dos bêbados, e o que é
pior, se entregando aos mais horríveis atos de impureza! Pois continuem
assim, filhos deste mundo! Logo, logo vocês estarão no Inferno! Lá eles
ensinarão a vocês tudo que deveriam ter feito para conseguir o Céu, que
vocês acabaram perdendo inteiramente por sua própria culpa!
Ai
de vocês, filhos deste mundo! Continuem assim; sigam o mestre que vocês
têm seguido até agora! Muito cedo vocês perceberão o quão errado vocês
foram ao seguir esses caminhos. Mas será que isso os fará mais sábios?
Infelizmente não. Se alguém nos trai uma vez, nós logo dizemos: – Nunca
mais voltarei a confiar nele novamente! E com razão! Mas o mundo nos
trai continuamente e mesmo assim continuamos a amá-lo. São João nos
adverte em sua Primeira Epístola: “Não ameis o mundo nem as coisas do
mundo. Se alguém ama o mundo não está nele o amor do Pai”. Ah! Meus
caros filhos, se nós tivéssemos a menor idéia do que é o mundo,
passaríamos nossas vidas em dar-lhe adeus. Quando uma pessoa atinge a
idade de quinze anos, ela dá adeus aos tempos de sua infância, ela olha
para trás e vê como efêmeras e bobas eram as brincadeiras de crianças,
como construir castelinhos de areia. Aos trinta, a pessoa começa a
deixar de lado os prazeres consumistas da juventude leviana. Aquilo que
dava tanto prazer nos dias de juventude, começa a tornar-se aborrecido.
Se formos pensar bem, meus amigos, todos os dias estamos dando adeus a
este mundo. Somos como viajantes que desfrutam da beleza da paisagem
apenas enquanto estão viajando. Mais cedo do que esperamos, veremos o
tempo que deixamos para trás. E é exatamente a mesma coisa com os
prazeres e bens dos quais nos tornamos tão apegados. Chegará o dia em
que a Eternidade jogará todas essas coisas num profundo abismo. E então,
meus caros irmãos, o mundo desaparecerá para sempre dos nossos olhos e
reconheceremos a nossa loucura em termos sido tão apegados a ele. E a
respeito de tudo o que nos foi dito sobre o pecado? Só então veremos que
era tudo verdade! Coitado daquele que tiver vivido somente para o
mundo! Aquele que não buscou outra coisa senão o mundo em tudo aquilo
que fez… De repente todos os prazeres e alegrias do mundo já não mais
existem! Tudo estará escapulindo de suas mãos: o mundo, suas alegrias,
todos os prazeres que ocupavam seu coração e o que é pior: também sua alma!
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